25/11/2014

Tocando a Distância - Ian Curtis e o gostinho de quero mais do Joy Division

A pergunta mais frequente que escutei ao ler o livro "Tocando a Distância" da esposa do finado Ian Curtis foi: "Quem é esse?"
A maioria das pessoas talvez não estejam familiarizadas com o Joy Division e a figura emblemática do cantor que dava tanto de si no palco quanto na vida. Não os julgo, já que a banda se desfez depois do suicídio de Curtis aos meros 23 anos de idade e à beira de um sucesso internacional nunca concretizado.
Conheci a banda através da música mais famosa deles e àquela que a revista britânica NME nomeou como a melhor canção de todos os tempos: Love Will Tear Us Apart. Fiquei impressionada com a voz marcante e honestamente melancólica de Ian. Precisava saber mais e mais sobre a banda e sobre ele também.
Por isso quando a biografia de Deborah Curtis sobre Ian foi finalmente lançada aqui, com um atraso de 15 anos devo dizer, corri para comprar.
Lançada em 1995, a biografia conta sobre um dos
vocalistas mais emblemáticos do pós-punk.


E não me arrependi.
Para aqueles que não conhecem nada- ou muito pouco- sobre Joy Divison deixem-me situá-los. A banda nasceu em 1976, em Manchester, Inglaterra. A história de como a banda se formou é um tanto inspiradora. Nessa mesma data, dia 20 de julho, os quatro integrantes do grupo estavam reunidos para escutar o Sex Pistols tocar. Como Deborah diz em sua biografia, todos que estavam lá tiveram suas vidas mudadas. E para Pete Hook, Ian Curtis, Bernard Sumner e Stephen Morris, embora este último tenha substituido Terry Manson, que não era nem de longe um bom baterista, significou formar sua própria banda.
Acertado os integrantes, os quatro rapazes agora procuravam um nome. E o escolhido foi Warsaw, uma homenagem a David Bowie e sua música intitulada de Warsawa em seu álbum Low, de 1976. Mais tarde a banda foi rebatizada de Joy Division e a partir daí, todos que conhecessem a banda se maravilhariam com seu som e vocalista únicos.

A banda atraia atenção por suas letras cruas e "brutais".


Deborah Curtis, namorada de adolescência de Curtis, conta em sua biografia uma faceta de Ian que me surpreendeu. Ela descreve seus atos impulsivos e auto-destrutivos e sua obsessão com a morte, que o tornava ainda mais introspectivo.
Relata ainda que o pedido de casamento, quando ambos tinham 18 e 19 anos, não foi nada romântico. Para aqueles que assistiram Control, filme baseado em Tocando a Distância, quando Ian diz a ela que é "irreparavelmente" dele, parece algo completamente arrebatador. Já no livro, parece o ato de um homem ciumento e possessivo que abusa da sua parceira e a afasta de todos, até que ela só tenha ele como seu protetor.

Deborah e Ian na época de namoro. Nesse tempo,
Ian se influenciava muito pela cena do "glamrock."

Em uma entrevista para o The Guardian, Deborah afirmou que "Ele ficava irritado quando eu lia livros que ele não gostava. Então eu sempre penso sobre ele quando eu leio livros agora." E o ponto alto é quando ela diz que ela não acha que Ian a conhecia de verdade.
Por que eu conto isso?,  vocês devem estar pensando. 

Esse livro foi uma virada para mim, assim para muitos fãs que o leram. Ela desmitifica um mito criado pela indústria da música. A biografia não desvalida sua genialidade e sim a revalida, mostrando como seu dia a dia, seus relacionamentos e sua doença o influenciaram, tanto como pessoa e compositor. 
Lembro de ler o livro sem parar. No ônibus, no meu intervalo no trabalho e antes de dormir. Não posso dizer que Deborah Curtis é uma grande escritora, porque ela não é, mas ela usa esse fato em sua vantagem com uma linguagem simples que qualquer fã consegue acompanhar, como se ela estivesse contando sobre sua vida conjugal para uma querida amiga enquanto toma chá na varanda. 

Adicionar a letra cursiva de Ian foi um toque que deixou
o livro ainda mais intimista. 

Fica claro no livro o quão apaixonada ela era por Ian. Concessões foram feitas em ambos os lados, embora ele desejasse e obrigasse Deborah a ficar manejando seu holofote. Para namorar com alguém, Ian era quem precisava brilhar e nada mais chamaria atenção a não ser ele.
Como fã, foi muito interessante perceber essa faceta da sua personalidade. Como uma banda, Joy Division não era muito unido. Ian escrevia todos as músicas, mas dividia os royalties com todos. No entanto, o maior segredo como banda que eles manteram foi Annik Honoré, amante de Ian. 
Eles se conheceram em turnê e mantiveram um relacionamento até sua morte, com o nosso vocalista tentando se separar da mulher inúmeras vezes, mas ficando dividido entre o que queria e quem queria. 

Além disso, muitos dizem que no livro que Deborah a vilifica. Não poderia concordar menos. Se o desgosto por ela é aparente? Sim, é, contudo Deborah não trata tanto dela e sim das reações e ações de Ian depois de confessar ter um caso. A única vez que ela chega a mostrar uma faceta "má" de Annik é quando conta que após Ian convulsionar em um show - ele sofria de eplepsia - Annik foi embora sem ao menos ajudá-lo. Para mim, como leitora, incluir esse episódio no livro foi para mostrar que se ela aparentemente não conhecia mais seu Ian, Annik muito menos. 

Temos que manter em mente que Deborah conta sua vida com Ian por sua perspectiva, desde o casamento até o nascimento de sua filha, Natalie. Para mim, os fatos mais reveladores são sobre a personalidade e o modo introspectivo de Ian e não de seus casos, porque sim ele teve mais do que um.
O ponto negativo do livro? É curto demais! Com apenas 200 páginas e mais 100, aproximadamente, de letras de músicas finalizadas, datas de shows e manuscritos, o livro me deixou com gostinho de "quero mais, muito mais!". Há tantas outras coisas que quero saber sobre Ian, sobre Deborah, sobre Joy Division e sinto que somente uma pequena parcela foi respondida.
"As letras são abertas à interpretação."

Se querem saber, se Deborah Curtis decidir escrever outro livro sobre Ian, eu compraria. Annik Honoré, que faleceu neste ano, não teve a chance de contar completamente seu lado da história, mas nesta entrevista em inglês, ela conta de forma um tanto defensiva sobre o tempo que passou junta de Ian. Mas confesso, se ela tivesse lançado um livro sobre ele, leria também! 

Ademais, como mencionei acima, o livro deu origem ao filme Control de 2007. Quem dirigiu o filme foi Anton Corbjin, um fotográfo próximo da banda. A película romantiza e muito a história de Ian, tanto com Deborah e Annik e falha aí, embora ganhe inúmeros pontos ao mostrar a vida entorpecida de Curtis ao mesmo tempo que ele tenta alcançar um sucesso que sabia que nunca conseguiria.
E que seus companheiros de banda também achavam incapaz de acontecer, principalmente pelo caráter autodestrutivo de Ian. Foi assim, que depois de sua morte, Peter, Bernard e Stephen formaram o bem- sucedido New Order, com outro vocalista, claro.

Todos seguiram em frente, porém não negam a influência de Ian em suas vidas, seja ela positiva ou não. Deborah Curtis conseguiu mostrar Ian como um homem, como um pai e como um ser humano repleto de falhas e virtudes.
Mas da próxima vez, por favor Deborah, faz um livro mais longo! 


Ian com sua filha Natalie, em maio de 1980.
A última foto que Deborah tirou de seu marido.

Saiba mais: 











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